A teoria U e a transformação do sistema agroalimentar

Parece cada vez mais obvio, que a produção de alimentos no sistema agroindustrial capitalista não é sustentável.

Primeiro pela dependência do petróleo como matriz energética ao longo da cadeia alimentar, desde a fertilização sintética, os agrotóxicos até o transporte e a refrigeração. O preço dos alimentos está ligado à disponibilidade de energia fóssil e deixa a produção altamente vulnerável.

Segundo, a contaminação do solo, da água e das pessoas traz enormes custos para a sociedade, e diferentes enfermidades crônicas são relacionadas à aplicação de agroquímicos em grandes quantidades.

Terceiro o sistema agroindustrial é dinamizado pela produção animal, ocupando terras e consumindo agua em dimensões gigantescas, enquanto um sétimo da população mundial não tem o que comer. A ONU e muitas outras entidades orientam para uma limitação do consumo de carne, que é uma causa central para mudanças climáticas, a desforestação e a fome no mundo.

E não por último a produção  de alimentos está no sistema capitalista orientada a gerar lucro e não à alimentação das pessoas. A comercialização da produção de alimentos e sua venda por grandes corporações, com a participação do sistema financeiro e a subvenção pelos governos, gera obviamente grandes desastres. 

Está em curso um novo ciclo de privatização de terras, em dimensões gigantescas e no mundo entero. A consequência é a expulsão das comunidades rurais das suas terras, a exploração de agricultores e trabalhadores rurais, da terra e da água, sem considerar os bens comuns e o bem estar da sociedade.  

Em 2008, 400 cientistas internacionais confirmaram no relatório sobre a situação mundial da alimentação, que não é uma opção seguir da mesma forma. Porque então não somos capazes de mudar esse sistema? Porque estamos juntos criando um mundo, que ninguem quer?

 

Os campos sociais na teoria U

Essa é a pergunta que se fizeram cientistas do Massachusets Institute of  Tecnology, liderado por Otto Scharmer, que pesquisam ha alguns anos sobre métodos que podem ajudar a entender e mudar sistemas sócio-econômicos para co-criar colectivamente um outro mundo a partir de uma visão sistêmica e holística da realidade.

Na teoria U se visualiza a situação como um iceberg, no qual estamos vendo somente a ponta dos sintomas encima, mas por baixo da água estão estruturas, interesses, paradigmas e campos sociais.

Figura 1: Modelo Iceberg da realidade atual

modelo-iceberg

Fonte: Presencing Institute

No primeiro nível vemos as questões e eventos, que resultam de estruturas sistêmicas no nível 2 e dos interesses dos Estados-nação no nível 3. Mas também são resultado das estruturas mais profundas dos campos sociais num quarto nível. O campo social é a estrutura de relações entre indivíduos, grupos, organizações e sistemas que dão origem a comportamentos e resultados coletivos.

Na perspectiva dos campos sociais as pessoas atuam desde uma lógica social-emocional que opera através de:

  1. preconceito (fechando a mente)
  2. raiva, culpa (fechando o coração) e
  3. medo (fechando a vontade)

No campo social chamado de “absencing”, a absência das pessoas reforça um ciclo de polarização e violência com a negação da realidade exterior, uma  profunda  dessensibilização e desconexão da realidade interior e, finalmente, resulta em vários processos destrutivos. Assim se explica a divisão entre sociedade e natureza, a divisão social e a divisão espiritual, que torna a nossa essência humana menos presente para o mundo, para os outros, e para nós mesmos, como escreve Otto Scharmer.

Essa é a história que explica as estruturas sistêmicas, o interesse egoístico e os diferentes campos sociais, que se expressam nos sintomas indesejáveis e auto-destrutivos que vivenciamos no atual momento.

O campo social do Presencing

Segúm Otto Scharmer está se ativando um outro estado do campo social, cada vez mais presenciado por grupos e comunidades ao redor do mundo. Este estado ele chama “Presencing”, uma junção das palavras em inglés presencesensing, em qual a nossa essência humana fica mais presente para o mundo, para o outro, e para nós mesmos. É um campo social criador, no qual os grupos se movem para fora do seu filtro mental e se envolvem em processos com a mente (curiosidade), o coração (compaixão), e a vontade (coragem) abertas. O resultado é um ciclo de ação co-creativa:

  1. vendo com novos olhos (mente aberta)
  2. sentindo outras perspectivas (coração aberto)
  3. presenciando nossas maiores possibilidades futuras (vontade aberta)

A Figura 2 mostra os dois campos sociais que funcionam como espelho. A política global e os assuntos econômicos mundiais atuais emergem da interação entre eles, que se desenrola em sistemas ao nosso redor e dentro de nós.

             Figura 2: dois campos sociais: Absencing e Presencing

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                            O campo social do Presencing

 

Uma Terra, dois campos sociais

A teoría U explica, que os diferentes estagios na transformação social dependem da nossa percepção que temos do sistema. Somente quando abrimos a mente, o coração e a vontade, e conseguimos dar um giro percebendo a nos mesmos como parte desse sistema, podemos entrar em ação e co-criar prototipos do futuro emergente.

A equipe do MIT iniciou há pouco o IV MOOC da teoria U pela plataforma edx.org, com uma metodologia interativa, que criou uma rede de mais de 70 mil pessoas ao redor do mundo. Durante sete semanas aprendem a atuar desde outra perspectiva, através do “listening”, que passa para um nível mais profundo de ouvir outras pessoas a partir do campo da vontade aberta.

No primeiro nível ouvimos nas conversas o que somos acostumados, somos gentis e fazemos um tipo de download, baixando informações sem abrir nossa mente.

No segundo nível entramos com uma mente aberta em um debate, más defendemos nosso punto de vista e vemos a realidade factual ou dividida, como se estivermos ouvindo desde fora, sem estar envolvidos. 

Quando abrimos o coração, a conversa passa a ser empática, entramos num diálogo e ouvimos desde a perspectiva da outra pessoa.

E finalmente, quando abrimos nossa vontade, mantendo o foco da nossa intenção, más abertos para o que quiser se manifestar a través de nos, entramos em um processo generativo, ouvimos desde o campo e liberamos nossa creatividade coletiva.

                       Figura 3: os quatro nivéis de ouvir e conversar

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Gráfico traduzido do Presencing Institute

As divisões ecológica, social e espiritual no sistema agroindustrial

Em princípio, o esquema da teoria U sobre as divisões, que estão no fundo do iceberg e definem as estruturas, são equivalentes para o sistema agroindustrial.

Pela divisão entre nosso eu, o self que é dominado pelo egoismo, e a natureza, estamos numa bolha ecológica, que está estourando. Consumimos um planeta e meio de recursos, a cada ano a data do uso dos recursos disponíveis chega mais cedo, esse ano foi já no inicio de agosto.

A divisão social nos leva a sentir-nos diferente e separado do outro, e mantemos um sistema econômico, em qual a acumulação leva 1% da população a possuir 50% das riquezas mundiais. Essa economia é uma fantasia, afastada da economia real e a bolha da renda e a bolha financeira são mantidas a altos custos para a sociedade.

Temos uma bolha tecnológica, em qual todos os recursos financeiros são destinados a desenvolver novas tecnologias em beneficio de grandes empresas, que defendem seus direitos de exploração total do planeta e das pessoas em nome de lucros imediatos.

A corrupção dos representantes políticos, dominados pelas corporações, e a falta de liderança nesse momento de grandes disrupções, junto com os médios que divulgam desastres e crimes, não deixa esperança para o futuro próximo, e provocam a paralisia da população.

O consumerismo foi promovido durante as últimas décadas, prometendo o bem estar de todos, com a distribuição das riquezas geradas. Mas é obvio, que a felicidade não pode ser medida pelo PIB, que também cresce com catástrofes ambientais, enfermidades e acidentes. O crescimento como objetivo maior da sociedade industrial está desmoronando.

Nesse momento de falta de governança, a democracia está falhando na representação também daqueles, que não tem voz, inclusive os animais e a natureza. O governo já não é legitimo quando a maioria não tem voz contra os interesses econômicos de uma elite, e existe o perigo que os conflitos sociais estouram, que se tornam cada vez mais incontroláveis.

Estos são também os pontos de acupuntura, onde a teoria U enxerga possibilidades de provocar mudanças sistêmicas, que atingem as estruturas mais profundas, que seguram o sistema com bastante esforço.

Como podemos utilizar essas ferramentas para mudanças sistêmicas e a concepção de protótipos desde o futuro emergente para mudar o sistema agroalimentar, o foodsystem?

Para encontrar respostas a essa pergunta a única possibilidade é iniciar o processo e aprender caminhando.

Estamos como primeiro passo preparando o Encontro online Campo, Comida & Cidadania, que será realizado em final em final de outubro de 2017. Paralelamente estamos elaborando um MOOC (Massive Open Online Course), um curso online, aberto e  interativo, seguindo a teoria U para a transição agroecológica. Em breve vamos postar mais informações como pode participar.

Links:

Presencing Institute

Fontes e leitura recomendada:

Um planeta, dois campos sociais – Entendendo a conjuntura internacional com um novo olhar

Teoria U – Otto Scharmer

” target=”_blank”>Liderar a partir do futuro que emerge – Otto Scharmer

 

 

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