A conferência das regiões livres de OMG pede moratória para “gene drives”

A engenharia genética é uma ciência promissora – destinada a falhar. Com essa provocação abriu o debate que precedia a nona conferência das regiões livres de transgênicos na Europa.

Mais de 200 participantes e convidados da América do Norte, Ásia, Nova Zelândia e África (35 países no total) reuniram-se em Berlim do 5 ao 7 de setembro para discutir novos desafios da engenharia genética, que entrou numa nova fase com mutações provocadas por cortes intencionais nos genes de plantas e humanos.

Durante três décadas a pesquisa sobre a manipulação genética de plantas foi financiada com muitos bilhões. Os gastos foram justificados pela promessa que os transgênicos iriam salvar o mundo da fome e garantir a alimentação da população crescente.

Foi muito dinheiro gasto para algo que pode não ter sido mais que uma fantasia, segundo Angelika Hilbeck do Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH). Más como ninguém quer admitir que é impossível influenciar organismos vivos através de manipulações nos genes, o dinheiro continua sendo aplicado às pesquisas.

Debate “as roupas novas do rei – engenharia genética: uma ciência promissora – destinada a falhar, dia 5 de setembro no banco GLS, Berlim

Uma ciência ficção que vale ouro

Já faz tempo se sabe que a possibilidade de influenciar o desenvolvimento de um organismo vivo com mudanças no DNA não passa de uma ciência ficção ou uma fantasia, mas essa história vale ouro para as universidades e indústrias, que lucram com a biotecnologia. Não querem admitir, que o rei está nu, como sugeriu o título do evento. Ao contrário, os que estão dizendo a verdade sofrem sanções ou são ignorados.

Mas as evidências não podem ser negadas, nos 40 anos da liberação de OMG aos campos foi possível avaliar o impacto, tanto para os ecossistemas como para a saúde humana e animal. Em realidade foram somente liberados dois tipos de organismos modificados geneticamente (OMG): plantas resistentes a algum agrotóxico, vendido no mesmo pacote pela empresa, como a soja; ou com uma modificação genética para desenvolver um veneno contra a praga que ataca, no caso do milho Bt. Fora disso somente foram liberadas combinações das duas formas de OMG.

O arroz dourado, que foi prometido como forma de resolver o problema da falta de vitamina A, causando cegueira em milhões de crianças, está longe a ser realmente utilizável, como mostra Angelika Hilbeck, ETH Zürich.

O resultado no campo é um desastre 

Depois das primeiras décadas de experimentação em campo livre, os custos foram pagos pelos agricultores, que precisam comprar a cada ano as sementes e pagar royalties. O resultado é um desastre, ambiental, econômico e social.

Nos Estados Unidos e no Brasil, maiores produtores de soja e milho transgênico, apareceram ervas e insetos mais resistentes, destruindo as safras. Milhares de agricultores indianos se suicidaram depois de endividar-se com o algodao transgênico. Muitos agricultores estão tentando voltar para sementes convencionais, mas é dificil sair do ciclo vicioso de fertilizantes, agrotóxicos e sementes transgênicas. E a difusão dos transgênicos, especialmente do milho é muitas vezes involuntária, atingindo até o berço do milho tradicional no México.

Inácio Chapela denunciou já em 2001 que encontrou milho contaminado em áreas distantes de plantios no México. Sofreu ataques e desprestígio, quase perdeu seu cargo de professor e pesquisador de Ecologia Microbiana na Universidade de Berkeley (EUA). Presente na mesa do evento em Berlim, lamentou que os estudantes nas universidades ainda aprendem, que o código do DNA pode ser traduzido em forma e função, e vê um grave problema na educação de jovens, que aprendem que todo é definido pelos genes.

 

O fim do determinismo genético

Em 2003 o genoma humano foi oficialmente decifrado, contando cerca de 20.000 a 25.000 genes. Esperava-se que pelo menos 100.000 genes codificassem as características do corpo humano. Entretanto se sabe agora, que muitas plantas têm mais genes que os humanos, o arroz por exemplo tem 37.544 genes identificados.

Em vez de confirmar a tese do determinismo genético, os resultados do projeto genoma humano mostraram, que é difícil deduzir certas propriedades a certos genes. Ficou evidente, que o genótipo e a característica são resultados de um processo complexo de interações e feedback entre DNA, RNA, proteínas e citoplasma. Desde então abriram-se duas vertentes, com um abismo crescente entre a engenharia genética e a epigenética, como mostrou Angelika Hilbeck.

                     Ricarda Steinbrecher, Inácio Chapela, Jake Heinemann e                     

Sarah Agapito Tenfen na mesa de debate

As novas visões e perspectivas da epigenética

A epigenética, uma disciplina nova na biologia, pesquisa esses processos e a influência do meio ambiente sobre os genes. O prefixo grego “epi” significa “sobre, em cima, após”. Assim a epigenética abre novas visões e perspectivas, derubando o dogma da manipulação genética, a ideia que as características de um organismo vivo são determinadas pelo material genético herdado. A epigenética mostra, que mesmo sutis mudanças ambientais têm efeitos sobre o DNA, e assim doenças ou alteraçoes na personalidade podem ser influenciados pela interação dos organismos com seu ambiente.

Na epigenética as células controlam a produção das proteínas e assim descreve um mecanismo que foi negligenciado pela engenharia genética. Más não são somente os fatores externos, como ensina Bruce Lipton, reconhecido biólogo americano.

No seu livro “Células inteligentes”, descreve como a nova ciência da epigenética está transformando a ideia de que nossa existência física é determinada por nosso DNA. Bruce Lipton afirma que “os hormônios e neurotransmissores não são controlados por genes que controlam nossos corpos e mentes. Nossas crenças e convicções controlam nossos corpos, nossas mentes e nossas vidas.”

 

O modelo do DNA não é a realidade

Essas descobertas evidenciam, que a ciência genética trabalha com um conceito impreciso, na tentativa de transformar a vida numa máquina. O modelo do DNA foi útil em algum momento, mas não pode ser confundido com a realidade, explicou Ricarda Steinbrecher, codiretora da organização de pesquisa independente EcoNexus em Oxford, Reino Unido.

O modelo ainda se mantém, segundo Jake Heinemann, da Universidade de Canterbury, Christchurch, New Zealand, também por que as empresas somente fazem lucro pelas patentes sobre as sementes transgênicas, assim que precisam trabalhar com uma simples descrição de genes.

A pesquisadora brasileira Sarah Agapito Tenfen, do GenØk – Centre for Biosafety, Tromsø, Norvega, complementa que na ciência genética somente podem pesquisar na base de dados para entender uma espécie e o que não está nesses dados fica fora. É um ciclo de autoconfirmação de premissas a partir de dados, que conferem os dados.

Enfrentamos uma crise de conceitos e a mudança de paradigma, o que foi comparado por Chapela com a derruba do dogma de que o sol circulava ao redor da terra e que mudou com as observações e cálculos da astronomia. A descoberta foi negada e combatida no medieval porque questionava os fundamentos da sociedade na época. Mas com o tempo tiveram que aceitar os epi-círculos, nos quais os planetas de movimentam. Agora é a epi-genética, que muda as percepções e encontra resistências.

 

A engenharia genetica – grande demais para falhar

A “Big Science” foi construída em fundamentos que não foram questionados e considerados seguros, e agora estão desmoronando. A nova ciência ao contrário é sustentável, coletiva e (auto) crítica, explicou Chapela. Invés das certezas da ciência moderna agora temos que admitir que não sabemos e lidar com as incertezas.

Os painelistas e os participantes do debate concordaram, que a ciência moderna chegou aos limites e se transformou numa ciência ficção, com uma narrativa que não se sustenta mais em frente à realidade e é destinada a falhar.

Más a transgênica é grande demais para falhar, já que é o conceito de negócios baseados na biotecnologia. Corporações como a Bayer alemã – que comprou a Monsanto e tenta abrir a entrada dos OMGs na Europa – têm tanto poder económico que podem influenciar os governos a admitir cada vez mais absurdos, bancando o desenvolvimento de agrotóxicos e de OMGs, submetendo a população a grandes riscos.

No final do debate, Angelika Hilbeck denunciou que a elite científica está por cima da sociedade, tem o poder de decidir e o poder do dinheiro, assim estariam também acima da lei e da realidade. Uma elite, que foi alimentada com o dinheiro público para suas pesquisas em base de falsas premissas.

Além disso, o modelo de negócio das biotecnologias está baseado em promessas não cumpridas, enquanto as empresas querem somente ficar com os ganhos, mas não assumem a responsabilidade pelos danos. Ela exigiu que deveria ser definido o tempo para entregar os resultados, se não entregam deveriam devolver o dinheiro e nunca mais receber apoio. 

 

                     

© 2018 International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications (ISAAA)

O Brasil exporta soja transgênica para Europa 

O Brasil cultivou 50,2 milhões de hectares (ha) com culturas transgênicas em 2017, um crescimento de 2% em relação a 2016, enquanto a Europa é basicamente livre de OMG, somente na Espanha foi permitido o plantio de milho transgênico. Mas os transgênicos são permitidos na ração para a criação de animais, já que quase não se encontra soja não transgênica no mercado mundial.

A Corte Europeia de Justiça barrou recentemente todas as formas de engenharia genética, incluindo CRISPR-Cas e outras formas da chamada “edição de genes” nos regulamentos, requerendo a avaliação de risco e aprovação específica para cada produto transgênico, com rastreabilidade e rotulagem. Más em países como Brasil as novas tecnologias já são utilizadas, e os europeus acabam comendo os genes modificados indiretamente através da carne.

Na nona conferência das regiões livres de transgênicos, que iniciou no dia seguinte, os mais de 200 participantes concordaram que as novas tecnologias requerem atenção especial, debate e avaliação de risco adicional. A rede de 64 governos regionais livres da OGM finalizou o encontrou com a Declaração de Berlim, que pede uma moratória europeia e global de “Gene Drives” e exige que os governos nacionais e a UE abordem essa questão na próximo reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica.

No final o que está em questão é a decisão, qual é a agricultura que queremos e que tenha futuro: uma agricultura com altas tecnologias e sem agricultores, altamente destrutiva, contaminante e cara, ou uma agricultura mais sustentável e ecológica em base da agricultura familiar.

Veja a Declaração de Berlim (em inglés)

 

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