Políticas públicas
para a transição agroecológicaPolíticas agrárias no Século XXI
As políticas agrárias nacionais e internacionais promovem desde a II guerra mundial um sistema agroalimentar fundamentado na matriz energética fóssil. Colocaram a tarefa de alimentar a população global a umas poucas empresas da agroindústria petroquímica, que são ligadas às petrolíferas e a indústria farmacêutica.
Com subvenções e políticas fiscais garantem que produtos industrializados sejam artificialmente mais baratos que os alimentos naturais, mesmo que os custos para a sociedade e para os ecossistemas sejam enormes.
Atualmente estão se criando zonas de comércio livre, nas quais os estados têm que garantir as condições para as empresas poderem explorar e contaminar, e estão aumentando os processos iniciados por empresas alegando que os governos diminuem seus lucros quando protegem seus cidadãos e seus territórios.
Pelo outro lado existem políticas a favor da agricultura familiar ecológica e no Brasil foram experimentadas com sucesso, mesmo precisando de ajustes.
Todos estes programas estão em questão depois da integração do Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA ao Ministério de Desenvolvimento Social – MDS. Em breve encontrará mais informações sobre o debate e ações atualizadas.
Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
Em 2012 foi lançada a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), que tem como objetivo “Integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica” (CIAPO, 2012).
Entre as diretrizes estão a soberania e segurança alimentar e nutricional, o uso sustentável dos recursos naturais, a conservação dos ecossistemas e da agrobiodiversidade, e o estímulo das experiências locais e a participação da juventude e das mulheres.
Entretanto, importantes temas como as mulheres campesinas, o plano de redução do uso de agrotóxicos e a definição de áreas contínuas da produção agroecológica, com o apoio à investigação e assistência técnica não foram considerados.
Os movimentos agroecológicos têm um papel importante na formulação das políticas públicas. Os grupos de trabalho da Articulação Nacional de Agroecologia – ANA, foram importantes mediadores entre as experiências locais e o debate nacional, conseguiram influenciar a elaboração de leis, normativas e programas.
Programa de Aquisição de Alimentos – PAA
Criado pela demanda de movimentos e sindicatos rurais em 2003, o PAA, também conhecido como “compra direta”, oferece às associações de agricultores familiares e cooperativas a oportunidade de vender seus produtos com garantia de preço e com pagamento antecipado.
O programa tenta resolver a falta de acesso a mercados, especialmente dos agricultores mais pobres, que não conseguiam comercializar seus produtos e ficavam nas mãos de comerciantes intermediários.
O PAA foi colocado como programa dentro da Política de Segurança Alimentar e Nutricional. As compras são limitadas por agricultor, que entregam seus produtos para a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) ou diretamente para escolas, hospitais e outras instituições públicas nos seus municípios. Essa modalidade foi considerada pela CONAB e as associações como a melhor opção, permitindo a entrega sem burocracia bancária ou taxas. Conforme dados da CONAB, em 2012 19.681 instituições receberam alimentos através do PAA, mais de 121.000 pequenos agricultores e cerca de 16 milhões de pessoas foram beneficiadas.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE
O PAA foi complementado em 2009 pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Estabelecido por lei, que pelo menos 30% da alimentação escolar deve ser de origem da agricultura familiar, de preferência ecológica (Lei n.º 11.947).
A alimentação escolar foi implementada no Brasil há mais de 50 anos para contribuir ao crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem e o rendimento escolar com a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos, mas o sistema era abastecido por grandes indústrias, com a comida unificada, não considerando as culturas culinárias regionais.
O Sistema de Alimentação e Nutrição mudou o sistema com a adaptação dos cardápios, e com o PNAE foi dado um passo a mais para dar preferência a ciclos curtos de abastecimento das escolas públicas.
Políticas contraditórias
As políticas agrícolas do Governo brasileiro são divididas entre o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), atualmente integrado ao Ministério de Desenvolvimento Social (MDS). Enquanto o MAPA atende a agroindústria de grande escala para a exportação e mantém o departamento de agroecologia e agricultura orgânica para a regulamentação do mercado de produtos orgânicos, o MDA executa diversos programas para fortalecer a agricultura familiar.
A agricultura camponesa produz os alimentos básicos para garantir a segurança alimentar das famílias brasileiras e ocupa a maior parte da mão de obra no campo.
Mesmo assim a agroindústria recebe o maior apoio e financiamentos para gerar divisas com a exportação de grãos. Os empresários tem forte representação no congresso nacional pela bancada ruralista, que garantem o orçamento e leis favoráveis à agroindústria.
Também conseguiram a liberação do plantio de organismos transgênicos em 2003 e converteram o Brasil no maior consumidor de agrotóxicos desde 2008. Em consequência aumentaram os conflitos no campo, registrados no mapa da Fiocruz, envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil: http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/.
Como não mudam as estruturas políticas e institucionais desfavoráveis para a agricultura campesina, essa é submetida à lógica capitalista, enquanto a soberania alimentar, assegurada pelas famílias campesinas, é tratada como secundária.
Assistência Técnica de Extensão Rural (ATER)
A Assistência Técnica de Extensão Rural (ATER) é importante para o desenvolvimento da agricultura campesina, é um direito firmado pela Constituição que durante os anos 90 foi mantido só por alguns estados. Em 2003, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) retomou o debate para a construção da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pnater) e do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater).
A agroecologia foi assumida como enfoque científico orientador das ações da ATER no Brasil. O PNATER prevê a adoção dos princípios da agricultura de base ecológica para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis e de metodologias participativas, com enfoque multidisciplinar, a equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia, e a contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricional.
Trata-se de uma mudança de paradigma da extensão rural, que era tradicionalmente dedicada a passar e vender agrotóxicos aos agricultores, oferecer créditos e propor a compra e venda dos produtos. Na nova ATER os técnicos são em teoria facilitadores de um processo de aprendizagem, com base no conhecimento das famílias campesinas.
O problema é que o Governo quer respostas muito rápidas e organiza o fluxo de seus recursos em prazos muito curtos. Este ritmo não é viável quando se procura promover processos participativos de geração e disseminação do conhecimento. Pelo outro lado, a fragmentação das políticas do Governo relativas ao desenvolvimento da agricultura familiar dificulta o sucesso de cada uma delas, em particular quando pretendem apoiar o uso da agroecologia.
(2014:12: El lugar de la producción familiar y la agroecologia en el futuro de la agricultura. In Agricultura y Ganadería Ecológica (17), pp. 10–13).
ATER em números
27 estados da Federação mantêm convênios com entidades da ATER. Com 5.100 oficinas e infraestrutura de veículos, computadores e internet, estão presentes em quase todos os municípios brasileiros.
Para executar o PNATER e o PRONATER foram contratadas 123 instituições da ATER estatais, e 992 não estatais, um total de 1.115 instituições com 17.000 extensionistas. Com o PNATER as ONGs foram reconhecidas como órgãos da ATER e receberam financiamento público para implementar os programas.
Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: um milhão de cisternas rurais (P1MC)
O P1MC é outra proposta da sociedade civil implementada no contexto do “Fome Zero”. O objetivo é a construção de um milhão de cisternas, mobilizando até agora mais de 250.000 famílias no semiárido do nordeste para garantir o consumo de água humano e armazenar água para os tempos de estiagem. O programa é executado por mais de 1.200 ONG, organizadas na Articulação do Semiárido brasileiro – ASA Brasil, em todos os estados do nordeste.
A base é uma metodologia pedagógica de empoderamento que envolve as famílias na construção, contratam pedreiros da comunidade, criam conselhos comunitários e trabalha com fundos rotativos para o financiamento. O programa beneficia a economia local com R$ 20 milhões por cada dez mil cisternas construídas. Ampliando as atividades, em 2007 iniciou o programa “Uma Terra e Duas Águas” (P1+2) com sete modelos para a produção agrícola.
A execução do programa é realizada através da contratação de ONGs que selecionam as famílias, licitam materiais e administram os recursos federais e estaduais. O programa é exitoso e confronta a “industria da seca”, já que as famílias não têm mais que trocar votos por água, o que acaba com a base do poder político.
Cisterna de placa para consumo humano, cisterna calcadão para produção e cisterna de polietileno
Cedendo às pressões políticas das multinacionais, o Governo federal substituiu em 2011 uma parte das cisternas de placa por cisternas de polietileno, fabricadas e entregue às famílias por empresas contratadas. A ASA protestou e iniciou uma campanha, já que contradizia todo o conceito pedagógico do programa. A cisterna de plástico é mais cara, contaminante e se derrete facilmente no calor, além disso a durabilidade estimada pelo fabricante é de 20 anos, o que já foi contestado pela ASA.